Comentários: Que coisa interessante não?! E todo mundo quer ganhar mais! Tem lógica, mas quem realmente não ganha bem? E quem realmente trabalha para ganhar mais?
Afonso Nascimento -- Advogado e Professor de Direito da UFS
Afonso Nascimento -- Advogado e Professor de Direito da UFS
Se
alguém me perguntar qual o traço mais saliente e permanente do Estado em
Sergipe, eu direi sem pestanejar: o patrimonialismo. Este é um conceito
elaborado pelo jurista e economista alemão Max Weber para cobrir práticas no
funcionamento da máquina estatal que não fazem distinção entre o público e o
privado. Para exemplificar, remeterei o leitor a ideias populares como
nepotismo, emprego para não ir trabalhar, trem da alegria, ausência de concurso
público, privatização dos cargos públicos etc. Sergipe mudou para melhor desde a
sua emancipação até hoje? Certamente, sobretudo desde o fim da ditadura militar
e com a Constituição de 1988, mas esse problema que é o patrimonialismo
permanece. É por isso que, para esses tempos recentes, vou chamá-lo de
neo-patrimonialismo.
Entre
os sergipanos, a forma mais antiga de patrimonialismo são os cartórios privados.
Esses cartórios, com funções públicas, são doações feitas pelos governantes
monárquicos e republicanos de Sergipe e do Brasil. Nasceram como presentes,
sinecuras, para alguém próximo do poder político por algum serviço prestado ou
simplesmente para alguém que precisa de uma mordomia para viver, passada de pai
para filho até recentemente. Os proprietários desses cartórios públicos
constituem um dos lobbies mais
importantes do país - especialmente aqueles dos cartórios que ganham fortunas
com o movimento da construção civil. Para encurtar essa conversar, cartório
sempre foi exemplo de dinheiro fácil: uma fotocópia, uma autenticação de
assinatura, um carimbo, um selo, uma assinatura e dinheiro! O dinheiro mais
fácil do mundo. Felizmente, com o Conselho Nacional de Justiça, o quadro
melhorou consideravelmente, mas ainda tem estrada para aperfeiçoar essas
instituições.
Para
justificar o que escrevi no primeiro parágrafo, é necessário dar mais exemplos.
Vamos a eles então. Até recentemente, promotores públicos estaduais também
trabalhavam como advogados privados. Uma coisa aberrante. O mesmo pode ser dito
em relação aos membros da Defensoria estadual também até pouco tempo Mas se
alguém quer mesmo um bom exemplo de patrimonialismo, tome o caro da Procuradoria
Geral do Estado. Aqui está a forma mais exagerada da indistinção entre o público
e o privado em Sergipe. Pelo que sei, para ser procurador é preciso fazer
concurso público. Adota-se então o critério meritocrático moderno de acesso a um
emprego de advogado público para as causas estatais. O procurador seria então um
funcionário público como qualquer outro. Mas não é.
Além
de receber seu salário de funcionário público, também tem direito aos honorários
de sucumbência, ou seja, nas causas ganhas, as seis dezenas de procuradores
também recebem uma porcentagem relativa ao valor delas. Vou trocar isso em
miúdos. Recebem dois “salários”, um para trabalhar como qualquer burocrata e
outro “porque trabalhou”. Neste caso, todos os contribuintes sergipanos pagam a
esse funcionário público duas vezes. O leitor quer mais? Pois bem, não bastasse
essa beleza de emprego, o procurador estadual também pode advogar como qualquer
advogado privado, disputando com este o mercado de causas e de clientes. Errado?
Claro que sim, sem falar que, competindo de novo com o advogado privado, pode
concorrer a uma vaga no Tribunal de Justiça pelo quinto constitucional. Uma
aberração.
No
momento atual, os procuradores estaduais estão em campanha salarial. Querem
aumentar os seus salários já altíssimos. Como justificam a sua demanda? Dizem
que, através de seu trabalho, recuperaram para os cofres públicos milhões de
reais, ou seja, cumpriram a sua obrigação de servidor público. Como as cifras
são altas, as pessoas desinformadas podem ficar impressionadas. Essa informação
deveria ser complementada com respostas a algumas perguntas. No período de
quanto tempo esse dinheiro foi recuperado? Quais os números milionários das
causas perdidas, cujo dinheiro, portanto, não voltou aos cofres públicos? Do
total dos valores milionários coletados em causas ganhas, quantos milhares de
reais deixaram de ir para os cofres públicos porque foram para as contas
privadas dos procuradores na forma de honorários de sucumbência? E mais duas.
Quantos milhares ou milhões de reais ganharam esses procuradores em sua
advocacia privada nesse mesmo período? Se os procuradores têm tempo livre para
advocacia privada, por que fazer concursos para contratar mais gente? Verdade ou
não, o que se diz nos meios jurídicos é que bom número dos procuradores é mais
zeloso com suas causas privadas do que com as públicas.
Em
minha opinião, é preciso acabar com os privilégios dessa categoria de
funcionário público. Os legisladores estaduais precisam ter coragem republicana
para enfrentar esse estamento que é sinônimo de atraso e estabelecer alguma
forma de controle externo sobre a sua produtividade e seu tempo de trabalho,
como qualquer servidor público. Ah, só para não esquecer, tudo o que foi dito
vale para os procuradores dos municípios sergipanos em que eles são servidores
públicos.
Fonte: Blog Primeira Mão
Fonte: Blog Primeira Mão
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